Nossa história
A Associação de Marinheiros e Pescadores Farol de Naufragados tem definido em seu estatuto a defesa dos direitos das Comunidades Tradicionais de Pesca Artesanal, nos termos do Decreto Federal 6.040/2007, e a demarcação do seu território, conforme resolução n.34 de 01/07/2005 do Conselho das Cidades; Decreto Federal 5.330 de 07/12/2004 e Lei Complementar 482 de 2014 do Município de Florianópolis.
A Associação é formada por pescadores de Naufragados, Caieira da Barra do Sul e Tapera da Barra do Sul, a maioria cujas famílias tiveram origem secular em Naufragados. Todo ano, entre os meses de maio a junho, se reúnem em sua praia de origem para a tradicional pesca de arrasto da tainha. Muitos pescadores ficam abrigados na Casa Grande, ao lado da capela de São Pedro, de propriedade do dono da rede, Seu Cacau, que organiza toda a pesca. Nesta época do ano as canoas-de-um-pau-só são retiradas do rancho e postadas na praia, reinando soberanas.
O pescador Sebastião José Ramos, conhecido como Baião, fundador da Associação, nasceu onde hoje encontram-se as ruínas do engenho de farinha e açúcar, próximo à cachoeira, no caminho que leva à praia do Parque de Naufragados (hoje parte da área de preservação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro). “O engenho da cachoeira era da minha avó. Eles nunca chegaram lá e indenizaram minha avó, nem a ninguém, pra fazer o parque”, relata.
Descendente de moradores tradicionais que se dedicavam à pesca artesanal, ao cultivo de mandioca e cana, produção de farinha de mandioca e açúcar, cedo aprendeu a arte da pesca e navegação nesta arriscada área marinha que é a saída sul da Ilha de Santa Catarina. De cultura secular nessas comunidades tradicionais, assim como muitos jovens, Baião começou a pescar ainda menino, por volta dos 12 anos, junto a seus familiares em Naufragados. Tem memórias de um tempo já muito diferente dos dias atuais: “Eu tenho uma vaga lembrança de sair daqui até o centro, remando na baleeira que era do Seu Pedrinho. Seu Pedrinho era um senhor que tinha uma venda aqui na frente naquela praia lá ó. Por isso que aquela praia é chamada praia do Pedrinho. […] Ele levava o pessoal, levava o mantimento daqui lá pra Prainha, levavam farinha, açúcar, banana, cebola, café, levavam tudo daqui pra lá […], pro Mercado Público”.
Rememora, também, que na Tapera [da Barra do Sul] morava Seu Eduardo, reconhecido pelos pescadores como um exímio canoeiro. “Tinha uma perfeição na construção de canoas”, conta Baião, estimando que o especialista tomava cerca seis meses para a construção de uma canoa de um pau de Garapuvu.
Como pescador e marinheiro nativo, a história de Baião se entrecruza com a memória de um dos históricos naufrágios ao qual se atribui o nome da Praia de Naufragados. O pescador conta que, desde jovem, quando passavam por uma determinada região entre a Praia do Sonho e o Farol de Naufragados, seu pai solicitava que os camaradas levantassem a linha de pesca porque dizia que ali ficava a “laje da Piteira”. Anos depois, Baião passou a realizar o transporte marítimo para um grupo de mergulho. Certo dia, os mergulhadores avistaram um relevo naquela mesma região: “Um dia eu levei eles lá, tava uma água bem clara, e eles disseram assim: olha Baião, a gente não sabe o que que é, mas tem uns morro alto, que pode ser que tem alguma coisa por baixo”. Alguns meses depois, uma empresa veio investigar a questão: “Eles tiraram um brasão talhado em pedra, tiraram um canhão de bronze, desse naufrágio. Então ali tem um sítio arqueológico muito grande naquele fundo”.
Abundantes são as histórias da relação intergeracional dos pescadores artesanais com a própria pesca, assim como com os aspectos ambientais, sociais e culturais de seus territórios tradicionais. É nesse sentido que, no ano de 2023, a Associação de Marinheiros e Pescadores Farol de Naufragados deflagrou o processo de autorreconhecimento e autodemarcação dos Territórios e Comunidades Tradicionais de Pesca Artesanal de Naufragados, Caieira da Barra do Sul e Tapera da Barra do Sul. Um processo que demanda por segurança, justiça fundiária e soberania a essas comunidades na gestão de seus territórios, buscando o reconhecimento institucional dos serviços que prestam à sociedade, não apenas na preservação e proteção ambiental, mas na forma singular de manifestação cultural que representa um modo de vida tradicional da Ilha de Santa Catarina.